domingo, 7 de março de 2021

10 anos de Debatedeira

Foto comemorativa meramente ilustrativa (2018).
Em Jan/2021, também comemorei 3 anos de formada.

Parafraseando Boaventura de Sousa Santos, na obra Pela Mão de Alice, se todos os desafios nascem de perplexidades produtivas, exercitar as nossas perplexidades torna-se, portanto, fundamental para identificar os desafios que merecem respostas. Quando criei este blog em 2011 (e até muito recentemente), eu acreditava que a escrita era a melhor e talvez a única maneira de realizar tal exercício e de encontrar todas as respostas demandadas pelos desafios resultantes. Precisei de 10 anos para me descobrir equivocada. 

Assim, em 07 de janeiro deste ano, o Debatedeira completou a sua primeira década de existência, e, em meio às adiadas promessas diárias de um post de aniversário, após um 2020 de apenas dois textos publicados aqui (e de um artigo publicado pela Almedina em Portugal - ihuuul!!!), passei a praticar umas sessões de auto questionamento, tentando projetar e compreender o porquê de eu não estar conseguindo escrever. É evidente que a pandemia modificou muita coisa em todo o Mundo, mas eu estava relutante em admitir que a minha capacidade de transcrever pensamentos em palavras pudesse ter sido mortalmente atingida por essa ogiva de insalubridade criativa que o ano passado lançou sobre nós

Eu que, por tantas vezes, desejei o ócio em 2019 (como já tenho desejado este ano também), vi-me presa a ele (sozinha) numa casa durante quase 4 meses inteiros de 2020, descobrindo seus efeitos supostamente deletérios e irreversíveis quando forçadamente imposto ao civil. Entretanto, e muito entretanto, ao final desse matrimônio arranjado pelo coronavírus, percebi que estive sempre enganada; sobre tudo. 

Primeiramente, a experiência com o ócio não me retirou a capacidade de pensar, de sentir, de refletir ou mesmo de escrever, ela me subtraiu a vontade de publicar o que eu produzo mentalmente, de compartilhar as minhas perplexidades com outras mentes, de socializar as minhas opiniões. 2020 foi o ano em que eu mais me dediquei a analisar o mundo material e imaterial ao meu redor, num esforço etnográfico de encontrar respostas aos desafios pelos quais estive passando. Conheci, inclusive, algumas pessoas que me fizeram ruminar sobre quem eu não quero ser, sobre as dúvidas que eu não quero ter, sobre as ansiedades que eu não quero causar. Percebi que, quanto mais me volto para o Mundo, mais me descubro voltada para mim mesma, para me consertar; mas que a recíproca não é verdadeira.

E, quando eu digo que a recíproca não é verdadeira, quero mesmo intencionalmente criar uma ambiguidade para fazer referência a duas constatações: ao contrário da colocação anterior, quanto mais me volto para mim mesma, não me volto mais para o Mundo, eu permaneço em mim apenas; e, estar voltada para o Mundo não é uma garantia de que o Mundo também estará voltado para mim. E esta última parte ficou tão cristalina durante as minhas quarentenas (contando com o meu isolamento profilático obrigatório em outubro e este novo lockdown 2020.1, já se somam 3), mas eu não sou capaz de julgar: descobri que o egoísmo é um instinto de sobrevivência

Dando seguimento, percebo que essa apatia quanto à socialização de ideias e ideais parte também de uma crise de gestão de pensamentos: a partir do processo de clivagem através do qual as reflexões se tornaram gradualmente muito numerosas na minha cabeça, tornou-se cada vez mais difícil/impossível geri-las, organizá-las e esquematizá-las todas. Por que eu iria querer investir todo esse esforço para escrever tanta, TANTA, coisa aqui? Tenho pelo menos umas 40 notas abertas no meu smartphone, com raciocínios, frases ou parágrafos de pensamentos eventualmente construídos porém não plenamente transcritos. E, nessas alturas, isso tem me bastado como exercício das minhas perplexidades.

Por fim, descobri na Quarentena outros prazeres e hobbies que eu não costumava ter: voltei a pintar (agora em aquarela, porque o volume de materiais é bem menor), passei a cultivar plantas (já estou a mulher-samambaia), comecei a trabalhar (estou há 9 meses trabalhando com compliance de regulações financeiras, e me considero bastante workaholic), e até a assistir a filmes e séries... Sinto que encontrei outras formas de canalizar e exercitar produtivamente as minhas perplexidades. A escrita continua sendo minha grande paixão, mas aprendi a ter outros affairs.

Por que razão, então, eu vim hoje assim tão out of the blue escrever algumas linhas depois dessa longa ausência não sentida, com 2 meses de atraso do decenário do blog? Por motivos egoísticos e acadêmicos: ao contrário da minha experiência pessoal com o exterior, que admite simples Notas ou aquarelas e que não se sujeita a avaliações, a minha dissertação de Mestrado precisa ser escrita, e bem escrita; o que me coloca em posição de exercitar tanto quanto necessário o meu poder descritivo. Certamente, meus textos voltaram para ficar. Eis um desafio merecedor (e necessitado) de resposta

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