sexta-feira, 4 de setembro de 2015

"Sujeito" atualizado

Só para atualizar com a informação de que, finalmente, depois de 4 anos, editei a aba "Sujeito" aqui do blog, que traz a descrição do eu-lírico dessas publicações: EU. Foi difícil, demorado, o resultado não ficou satisfatório, mas, pelo menos, eu o fiz hahaha. Até a próxima ;) 

Pé de Amor

Todos os dias, eu acordo sem a certeza do que as próximas 24h me reservam. Todos os dias, essas 24h me surpreendem. E, no último minuto do meu dia, quando eu fecho os olhos pra fazer uma prece, eu peço a Deus o que é mais essencial à minha sobrevivência: que eu saiba amar.

Que eu saiba amar, Papai do Céu! Todos os dias em que eu viver! Que eu saiba reconhecer o amor em cada pessoa que cruzar o meu caminho, que eu saiba ensinar o amor a quem não sabe amar, que eu saiba me doar por esse amor, que eu saiba ser paciente nele e, assim, colher seus frutos. 

Quando a flor de uma árvore é polinizada e seus óvulos são fecundados, ocorre a liberação de alguns hormônios. Esses hormônios provocam o desenvolvimento do ovário daquela florzinha, a fim de suprir as necessidades dos embriões que estão se formando no seu interior e que precisam de um abrigo eficiente e nutritivo. Esse ovário desenvolvido, geralmente de sabor agradável, é o que a gente chama de Fruto. 

Toda a fruta passa por estágios de amadurecimento até adquirir sua composição ideal para ser recipiente daqueles embriões. O agente responsável por essas modificações é um hormônio gasoso chamado Etileno. Assim, à medida que o Etileno vai sendo produzido, a fruta vai se tornando macia e docinha, saborosa ao nosso paladar.

Entretanto, não é só o seu sabor que muda! Toda a composição da fruta vai sendo modificada, formando-se mais e mais açúcar, sintetizando-se substâncias novas, até que se atinja o auge nutricional daquele fruto, a sua maturidade. Chega-se, então, no momento certo de colher e saborear!

O amor, assim como as árvores, começa em uma sementinha, que a gente planta e vai cuidando, até que brote, cresça e floresça. Aprender a amar é quase como um curso de jardinagem, de botânica, sei lá... E o segredo desse curso, o seu TCC, está em saber fazer aquele amor dar frutos e colhê-los no tempo certo, quando se pode tirar o maior proveito deles. 

Um fruto verde, assim como um amor imaturo, é rígido e azedo. Seu sabor desagradável está acompanhado de ácidos que, quando ingeridos, podem causar desconfortos abdominais, sendo difícil a digestão desse tipo de alimento. Da mesma forma, um fruto que passou do ponto, que, já estando maduro, foi esquecido, começa a ser decomposto; iniciando-se uma fermentação que, se ingerida naquele estágio, também resultará em sabor desagradável e problemas gastrointestinais.

Mas, veja bem... Se a gente puxar um fruto do pé antes do tempo, vai amargar esses dissabores pela impaciência. Só que, quando a gente fala de amor, o acre é muito mais intenso. 

Tem amor que a gente planta no jardim do outro e não brota. Deixa a gente sem esperanças. Tem amor que a gente rega direitinho e ele floresce, mas não dá frutos, só embeleza. Deixa a gente com fome. E tem amor que frutifica, que alimenta, que sacia. Deixa a gente com vontade de dividir todos aqueles muitos frutos com quem estiver ao redor. 

A fome de amor é, talvez, a mais miserável violência que um homem pode sofrer. A gente pode até não saber amar, mas não amar beira uma forte ofensa à dignidade da pessoa humana! Acho que amar não é nem um direito, mas um dever. E ensinar a amar é a melhor maneira de aprender a amar também.

É essa a sabedoria que eu rogo a Deus todo dia. A sabedoria de amar direitinho, de saber fazer florescer e frutificar e, mais ainda, de saber esperar a colheita oportuna. A sabedoria de saber que, mesmo que, num dia ou em outro, a gente colha um fruto amargo, toda árvore merece a oportunidade de frutificar mais uma vez e provar que é capaz de amar de volta. 

É que tudo que a gente planta com um amor profundo e verdadeiro está fadado a nos trazer alegrias, mesmo que elas demorem. 

Às vezes, eu me pergunto se o terreno não é propício, se vale a pena passar fome esperando aquela fruta em especial, se não é melhor mudar de canteiro ou ir comprar uma fruta já pronta na feira... Até que ponto essa causa é minha? Até que ponto aquela árvore é mesmo de minha responsabilidade? Até que ponto o outro merece esse dispêndio tão grande de minha parte? Sempre fico sem resposta pra essas perguntas, mas continuo segurando a pá, o regador e o coração. 

Acho que estudei o amor quando paguei Fitomorfologia no curso de Bacharelado em Biológicas. Então, hoje, no Dia do Biólogo, desejo muito amor aos amigos da botânica! E mais amor ainda aos de Direito, que parece que nem sabem o que a palavra significa. Beijo no coração!

domingo, 28 de junho de 2015

Solilóquio & Samba

Não sabia como começar essa publicação, então decidi iniciá-la com a verdade: escrevo melhor quando estou triste; e, quase sempre, só escrevo porque estou triste. Pra ser sincera, os únicos textos meus de que realmente gosto são os que redigi enquanto estava triste, imersa naquela melancolia profunda, quando consigo atingir meu ápice de reflexão sobre quaisquer assuntos, o estágio máximo da minha fluidez mental. Melhor: é quando, na verdade, sinto necessidade dessa reflexão. 

A tristeza é um status de introspecção, quando você se volta para você mesmo. Olhar para si é muito mais difícil do que olhar para o mundo, por isso que doi. Você não sofre pelo outro, você sofre por você, por se enxergar numa situação de desalento e desconforto, por ver aquele ser humano todo que você é lamentando e suplicando pela alegria; o que não deve, em qualquer hipótese, ser confundido com pena, autopiedade. Você só se sente triste por lembrar dos lapsos de felicidade a que deseja ter acesso novamente. E eu digo "novamente" porque quem nunca esteve triste não sabe realmente o que é ser alegre, assim como quem nunca esteve alegre não sabe quando está triste; um estado é pressuposto do outro, e o estágio médio entre ambos é um limbo de indiferença, uma quase não existência (explicarei depois o porquê disso).

Então, é exatamente isso: quem é triste devaneia a alegria, porque a tristeza é o hino da esperança de ser alegre. E a esperança, essa maldita (ou bendita), que sobrou no fundo da Caixa de Pandora... Certo dia, alguém narrou esse mito grego para mim e me fez pensar sobre como a esperança é a mola propulsora de tudo que existe no mundo. Acredito que nenhuma ação humana volitiva é feita sem beber dessa fonte. Então, todo ato de vontade é um ato de esperança. 

Mas, enfim. Sei que soa depressivo ter um blog quase inteiramente escrito em relâmpagos de baixo astral, mas não é de tristeza que são feitos os melhores sambas? Vinicius de Moraes foi alguém que soube falar por mim quando cantou o Samba da Bênção:

É melhor ser alegre que ser triste / Alegria é a melhor coisa que existe / É assim como a luz no coração 
Mas pra fazer um samba com beleza / É preciso um bocado de tristeza / É preciso um bocado de tristeza / Senão, não se faz um samba não 
(...) Fazer samba não é contar piada / E quem faz samba assim não é de nada / O bom samba é uma forma de oração 
Porque o samba é a tristeza que balança / E a tristeza tem sempre uma esperança / A tristeza tem sempre uma esperança / De um dia não ser mais triste não

Escrever, para mim, é a minha oração; como o bom samba é para Vinicius. É na escrita que transcrevo em vocábulos todos os sentimentos, todas as reflexões e todas as preces; é onde toco a esperança do meu samba "de um dia não ser mais triste não". Mas, essa tristeza é bela porque, também como o bom samba, está cheia de Amor. E aquele estágio médio entre um estado (tristeza) e o outro (alegria), que eu disse ser um limbo de indiferença, só é transponível para quem ama. Não amar é não estar susceptível à tristeza nem à alegria, é cair nesse limbo e quase não existir; é não sambar.

Eu até poderia continuar escrevendo muito mais nesse looping mental de hoje, mas vou encerrar o solilóquio por aqui mesmo. Espero sentir menos necessidade de escrever em tão pouco tempo, porque esse samba também cansa. 


sábado, 23 de maio de 2015

Abuso do Papel em Branco Assinado: a fé que o Estado não tutela

No Código Penal pátrio, art. 299, dentro do Título X (Dos Crimes Contra a Fé Pública), há a previsão do tipo penal de Falsidade Ideológica. Ipsis litteris
Falsidade ideológica
Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.
A despeito dessa tipificação, e adentrando no mundo dos fatos, existe a conduta do "Abuso de Papel em Branco Assinado", na qual o agente, de posse de uma folha em branco previamente subscrita, vem a preenchê-la de forma abusiva, inserindo nela declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita. Isto posto, à guisa das particularidades que essa conduta admite, há duas possíveis configurações: a de Falsidade Ideológica, supracitada, e a de Falsidade Material.

Se o agente obtém o papel assinado em branco de forma ilegal, ilegitimamente (seja por furto, ou por apropriação indébita, por exemplo), está-se diante de uma falsidade material. On the other hand, se o agente tem a posse legítima da folha, estando incumbido de seu preenchimento, e o faz mediante abuso da confiança que lhe foi depositada para tal, inserindo nela declarações falsas ou diversas das que realmente deveria lançar, resta configurado o crime de falsidade ideológica ora analisado. 

Sempre que conhecemos alguém a quem atribuímos certa importância e confiança, damos a esta pessoa uma folha em branco assinada por nós mesmos. A pessoa que recebe esse papel, recebe simultaneamente a incumbência de não apenas zelar por ele, mas de preenchê-lo, tendo, portanto, legitimidade para isso. 

De posse legítima de nossa folha, esse agente passa a lançar nela toda a sorte de declaração que lhe foi confiada: preenche com os momentos compartilhados, com as impressões, com os sentimentos, com as palavras ditas, com as atitudes, com as omissões, com as intimidades, com os lugares visitados, com as festas... Preenche com a história dessa particular interação, com tudo que o agente nos oferece enquanto portador desse papel; o que pode durar dias, meses, ou anos. 

Confiar esse documento em branco tão importante a alguém é a primeira formalidade que deve ser cumprida para podermos viver aquilo que o preencherá. Entretanto, a falta de Segurança Jurídica é inerente a essa entrega, visto a imprevisibilidade da conduta que será praticada pela outra pessoa. É óbvio... A gente nunca sabe o que o outro pretende, o que o outro pensa, o que o outro sente. A gente nunca sabe se a vontade de preencher a folha em branco que recebemos do outro com uma gama de coisas boas é a mesma vontade sentida por quem recebe a nossa. 

E aí, acontece o crime de Falsidade Ideológica: não contra a Fé Pública, mas contra a nossa Fé Individual, a nossa confiança; esse bem jurídico que o Estado não tutela...

O sujeito ativo (agente do crime) preenche a folha com informações que não condizem com a realidade sentida. Ele não vive aquilo com você, ele só quer fazer constar, fazer parecer que algum sentimento existe da parte dele, fazer parecer que merece a sua confiança, dar a entender que leva aquela tarefa que lhe foi incumbida a sério. Mas não leva e, no momento oportuno, você descobre aquela conduta "típica" (no Direito Penal, aquela que se subsume a um tipo penal, a um crime) do Abuso de papel em branco assinado. 

Pela observância do Princípio da Intervenção Mínima, que limita o jus puniendi do Estado (ou seja, o seu direito de punir) e do Princípio da Insignificância, que estabelece limites para a tipificação penal (ou seja, para a capacidade de o Direito Penal tipificar condutas irrelevantes) é fácil entender porque o Estado não tutela esse bem jurídico tão particular, nem pune essa conduta tão reprovável do ponto de vista da vítima.

Talvez o grande problema esteja no fato de que, na falta da tutela estatal, criamos uma amostra grátis de Pluralismo Jurídico, um Direito próprio, conferindo a defesa desse bem jurídico (a Fé Individual, a confiança) a quem não tem interesse suficiente em defendê-lo: o outro

É aí que está o nosso erro: confiamos no outro e deixamos essa confiança nas mãos dele, para que ele realize a sua tutela, que zele por ela. Mas essa tarefa deveria nossa. É a nós mesmos que deveria caber o zelo pelos nossos sentimentos, porque só a gente tem interesse suficiente em protegê-los. Ninguém se preocupa com você tanto quanto você mesmo. E isso é uma pena, porque, como já ouvi a minha avó dizer: "o Egoísmo é a chaga da humanidade". 

Mesmo assim, entre o erro de quem confia o preenchimento do papel em branco assinado a quem não merece tal confiança e o erro de quem age de má fé e abusa da confiança que lhe foi depositada, ainda prefiro estar na primeira posição. Porque, por mais que o Direito se abstenha de punir a segunda conduta, a vida pune, nem que seja só com o arrependimento, com a consciência pesada pela traição da confiança alheia, pela oportunidade perdida. E essas punições, infelizmente, costumam ser muito mais severas.