sábado, 24 de agosto de 2019

Ergueu, no patamar, 4 paredes sólidas

Ultimamente, tenho tido muita inspiração para escrever (o que não é necessariamente um bom sinal), e avaliado várias discussões mentais minhas que dariam ótimos solilóquios se eu as transcrevesse em publicações no blog. Mas, como estou na reta final do meu 1º ano do mestrado aqui em Lisboa, com uma deadline que parece que vai acabar me deixando dead mesmo, tenho guardado essas inspirações para as páginas dos três artigos que preciso finalizar até 30/09. 

Hoje, entretanto, optei por não evitar o desvio produtivo, porque lembrei da função terapêutica e relaxante que a escrita também desempenha em mim. 

Já faz alguns meses, comecei a me despedir de algumas pessoas que fui conhecendo ao longo desse quase 1 ano aqui em Portugal. Amigos da faculdade, flatmates, pessoas com as quais eu convivi e criei laços de carinho e amizade. A esmagadora maioria da minha turma no mestrado em Ciências Criminais é brasileira: já era previsível que esse momento chegaria. O que eu não previ foi como essas partidas poderiam impactar, de alguma forma, a minha vida. 

Em 2015, na China, uma empresa do ramo da construção ergueu um edifício de 57 andares em menos de 20 dias de obras. Um ano inteiro, como vocês imaginam, então (e como eu também imaginava), é tempo suficiente para construir muita coisa: uma casa, uma empresa, um prédio, uma praça, uma família, uma amizade... mas não é tempo hábil para construir uma vida. E o que ninguém me avisou é que, às vezes, nossas construções podem estar alicerçadas em bases com uma data de validade pré-determinada, e que a gente precisa reconstruir alguns pilares se quiser evitar que o edifício inteiro desabe. 

Diariamente, eu tenho construído um pouco de uma possível nova vida por aqui. Pessoas que vou conhecendo, lugares que vou visitando, eventos e estudos que vão despertando novos interesses profissionais, histórias que vão sendo cruzadas com as minhas... Mas, quando você está longe de casa (e isso eu comecei a perceber desde o meu 1º intercâmbio em Munique), longe de onde você sempre chamou de casa, porque é onde suas raízes permanecem fincadas; é muito difícil recriar raízes tão robustas noutro lugar. Então, você descobre que, em 1 ano, você é capaz de construir laços, e laços fortes, mas que eles nunca substituirão as raízes de que você precisa. 

Essa vida longe de casa parece apenas uma coleção de encontros e despedidas. Um entra e sai de gente, numa obra permanente que me lembra aquela reforma das estações de BRT na Avenida Caxangá em Recife, sem data para acabar. Você acorda, todo dia, disposto a carregar novos tijolos, mas não sabe com quem contar para preparar a argamassa. Não porque não há ninguém à volta, mas porque são obreiros de empreitada, que, num dia, estão na sua obra, e, no dia seguinte, estão sabe lá Deus onde. Zygmunt Bauman, se estivesse vivo, provavelmente incluiria isso no seu amplo conceito de Modernidade Líquida. 

Minha nova flatmate chegou há uns 3 meses. Ela também é brasileira e me disse que a gente não pode esperar que essas nossas obras fiquem prontas tão rápido. 

Foram 26 anos divididos entre Nazaré da Mata e Recife, realidades diferentes, mas próximas, de uma vida que foi sendo construída também aos pouquinhos, com a ajuda de muita gente que entrou e saiu rápido, mas de outras tantas pessoas que entraram e quiseram permanecer ali, ou que estiveram desde o princípio mesmo, por culpa da loteria genética. 

Eu fiz a minha primeira carteira de identidade (sim, já foram várias vias ao longo dessa vida hehe) quando tinha uns 13 anos de idade. Aos 17, tirei meu Título de Eleitor. Em 2016, aos 23, finalmente me habilitei para dirigir automóveis (formalmente não significa materialmente, mas tudo bem rsss). Aos 25, tornei-me oficialmente advogada e tomei a decisão de sair da minha zona de conforto e procurar um mestrado na Europa, sem um plano concreto do que queria a seguir. Não dá para cruzar essa linha e, em 1 ano, querer que tudo aconteça, querer ver novas raízes tão profundas quanto as que permanecem no Brasil, querer uma base bem alicerçada e pedreiros e engenheiros trabalhando comigo sob um contrato  de trabalho sem termo. Seria ideal, mas não condiz com a realidade. E quem mora longe de casa sabe disso. 

Então, às pessoas a quem eu disse que já estava muito bem adaptada à vida em Lisboa: parece que me precipitei. Mesmo depois de 1 ano, tem muita coisa ainda acontecendo e colocando a gente à prova. Às pessoas que mal entraram e já saíram da minha vida: obrigada por terem mexido um pouquinho da argamassa comigo e ajudado a erguer algumas paredes. Às que entraram há bastante tempo ou agora, mas que sabem que tendem a permanecer, mesmo que à distância, por assistência remota: sintam-se sempre em casa e contem comigo nas vossas obras também

Mais uns 26 anos, e, quem sabe, eu já poderei ver algum resultado, seja lá onde estiver!

P.S.: o título do post, dessa vez, é um verso da música Construção, de Chico Buarque, que eu lembrei enquanto escrevia aqui. Não sei se essa é uma informação de amplo conhecimento, mas acho a letra dessa canção particularmente genial, pois todas as suas rimas são feitas com o uso de Proparoxítonas; que correspondem à menor classe de palavras da Língua Portuguesa, se comparadas às Oxítonas e Paroxítonas. Esse homem não ganhou o Prêmio Camões à toa, meus amigos.

P.P.S.: só a título de informação, porque mencionei que me habilitei apenas aos 23 anos no Brasil, essa semana, chegou minha Carta de Condução portuguesa pelos correios. Mas, não se preocupem, friends, ainda não tenho carro, nem cara de pau, nem ossos de ferro para dirigir por aqui rsssss