sexta-feira, 1 de junho de 2018

Lendo pessoas

Há alguns anos, ganhei da minha irmã o livro “Os Últimos Dias dos Romanov”, da historiadora Helen Rappaport, que narra detalhadamente os momentos derradeiros da família imperial no cenário da Revolução Russa, até a sua completa execução. 

A grande maioria dos livros históricos costuma trazer certo entrave em sua leitura, que eu me dou a liberdade de variar a definição entre os adjetivos “pesada” e “difícil”. Um livro cuja leitura é “pesada”, para mim, é aquele que traz descrições minuciosas, inesgotáveis e fatigantes de momentos e cenas desconfortáveis; fazendo com que a leitura seja pouco agradável e me leve a gastar menos horas do meu dia imersa nela, levando um tempo maior até conseguir finalizá-la. 

Um livro que eu chamo de “difícil” é aquele no qual eu preciso empregar um esforço extra para apreender todas as informações, às vezes pela escrita pouco fluida, às vezes pelo emprego exagerado de termos técnicos ou distantes do meu cotidiano literário, às vezes tão somente por não conseguir captar, de pronto, o raciocínio que o autor utilizou para formular seus parágrafos. No caso desses livros, constantemente, preciso retomar trechos já lidos ou mesmo pesquisar o significado ou a origem de algumas palavras; o que também me leva a despender um tempo consideravelmente maior para esgotá-los. 

Apesar do peso ou da dificuldade, todos os livros sempre encontram leitores interessados o suficiente para devorar as suas páginas, não importa o tempo ou o esforço que isso custe; demonstrando que não existe peso ou dificuldade capaz de fazer com que algum livro jamais seja apreciado por alguém.

Assim como são os livros, as pessoas também são leituras, e a complexidade inerente ao ser humano tende a fazer com que nossas páginas sejam igualmente complexas. Algumas pessoas, entretanto, podem garantir leituras um pouco mais “pesadas” ou “difíceis” que as outras, pelo tempo que a compreensão delas exige ao leitor. 

Uma pessoa cuja leitura é “pesada” tem uma carga histórica e emocional bastante desgastada, mas que a faz única e extraordinária. Uma pessoa cuja leitura é “difícil” exige um meticuloso jogo de cintura em sua interpretação; o que a faz misteriosa.

Um bom e verdadeiramente interessado leitor nunca verá aquele livro (ou aquela pessoa) difícil como uma perda de tempo, um dispêndio, uma missão inútil. Quanto mais ele lê, mais ele se interessa em devorar as próximas páginas, em conhecer o restante da história, vislumbrando até mesmo ser parte dela; por reconhecer todos os benefícios que aquela leitura pode lhe proporcionar apesar do trabalho que lhe dará. Para eles, é como suportar os espinhos para ter a rosa.

Algumas vezes na vida, cruzamos com leitores pouco interessados, que apreciam nossa capa, mas não são capazes de se deleitar com a leitura tão profunda que oferecemos. Assim, no andar da carruagem, o encontro com esses leitores pode ser constante o bastante para nos fazer acreditar que, além de pesadas ou difíceis, somos pessoas impossíveis. 

Eu disse, há alguns parágrafos de distância dessa linha, que mesmo os livros mais difíceis e pesados encontram leitores que sabem apreciá-los. Nenhum livro é impossível de se ler se o leitor certo tiver interesse suficiente em suas páginas; da mesma forma que, para nenhuma pessoa, existe a impossibilidade de encontrar quem a queira ler também.

Obviamente devemos zelar para fazer das nossas páginas as melhores e mais agradáveis que podemos oferecer, ou mesmo para ajudar aquele leitor interessado, porém não tão bom, a compreender as nossas nuances. Igualmente, devemos nos dispor a ler os outros em sua completude, empregando o esforço que gostaríamos que fosse usado em nós mesmos. Mas aquilo ao qual nunca devemos nos render é ao pensamento de que somos pessoas impossíveis de serem apreciadas, impossíveis de terem suas qualidades reconhecidas ao ponto de precisarmos arrancar as nossas páginas para que caibamos na estante dos outros; só porque um mero leitor negligente e impaciente cruzou a nossa vida.