Engraçado não sentir que estive há mais de 1 ano inteiro sem publicar qualquer novo monólogo por aqui. Engraçado e também um pouco triste, porque simplesmente não me dei conta do fato. A verdade é que os dias têm sido intensos (e bem vividos!), e percebo que me sobram cada vez menos horas ao final deles para um dos meus passatempos prediletos: organizar ideias em palavras.
Entretanto, hoje não vim aqui para satisfazer minha humana necessidade de reclamar da vida. Hoje eu vim contar a história por trás desta foto (e estava realmente ansiosa por isso):
Há umas 2 semanas, percebi que precisava de algumas férias e fui visitar a cidade de Lagos, onde se localizam algumas das belíssimas praias algarvias de Portugal. Selecionei 3 dias de descanso no trabalho e parti no domingo. O plano era fazer o que eu já não conseguia mais colocar em prática desde 2019: viajar sozinha.
Como eu adoro viajar só!!! Nunca havia entendido essa necessidade quase visceral de estar unicamente em minha companhia. Mas, ano passado, conheci um francês que me recomendou um bom livro: “Quiet: the Power of Introverts in a World That Can't Stop Talking”, escrito por Susan Cain. Era um daqueles dates em que você presta bastante atenção em cada movimento do outro, porque parece que há ali qualquer coisa interessante a ser descoberta (e houve: autoconhecimento).
Ele perguntou se eu me definia como introvertida ou extrovertida. Eu já era acostumada a refletir sobre respostas a essa pergunta, já que notava que as pessoas constantemente me atribuíam características que eu não reconhecia em mim mesma. No fundo, acho que era uma espécie de autodefesa, como se o termo “Introversão” tivesse uma carga deletéria que eu não quisesse transportar comigo, mas o adjetivo “Extrovertida” também não fosse suficientemente bom para me descrever. Então, sempre me defini como “uma pessoa extrovertida introspectiva”. Sentia que socializava bem com outros indivíduos, fazia amigos com facilidade, mas havia ali sempre uma timidez, um desinteresse ou um olhar voltado para dentro, que invariavelmente exigia de mim uns momentos a sós, uma longa conversa comigo mesma...
Acabei descobrindo, com a leitura que me foi recomendada, que a Extroversão (ou a Introversão) não é um simples substantivo que pode nos servir de base para sair por aí qualificando ou desqualificando pessoas, mas uma atitude, um traço comportamental, um conceito da Psicologia, cunhado por Carl Jung; que, diferentemente do sentido que assumiu ao se popularizar, tem condições muito bem definidas para se atribuir ou não aos indivíduos na sua caracterização.
Uma pessoa introvertida, segundo a autora de Quiet, é alguém que exibe um comportamento mais voltado para si do que para o exterior e que, por isso, em linhas muito simples, recarrega as suas baterias quando está sozinha. Os introvertidos podem ser bastante sociáveis, porque desenvolveram essa capacidade (não é tão difícil olhar para dentro do outro quando já se sabe olhar para dentro de si, né?!), encontrando um equilíbrio entre sua personalidade e sua necessidade humana inata de se relacionar; mas é, de fato, na solitude que eles encontram descanso.
Não pretendo me embrenhar hoje no conteúdo do livro (que, inclusive, tem um background muito mais profissional e corporativo do que tenho feito soar aqui na minha reflexão), porque quero evitar grandes fugas ao tema sobre o qual me propus a escrever, mas recomendo a leitura, sobretudo para aqueles que, assim como meu antigo eu, associam qualquer carga negativa ao conceito de Introversão. É um exercício libertador de aceitação passar a abraçar os seus próprios traços comportamentais e aprender a utilizá-los para potencializar resultados! A questão final é que hoje percebo que sou uma pessoa introvertida, introspectiva e com grande capacidade de socialização; o que induz muita gente ao erro quando tenta me definir. E é essa socialização (e uma pitada de FOMO?) que, algumas vezes, drena a minha energia vital e me faz sentir totalmente consumida.
Foi nesse contexto, de cansaço físico e mental, e bateria social esgotada, depois 3 semanas de muito trabalho (tenho dado Training à minha equipe, e isso tem sido uma experiência tão incrível quanto exaustiva para mim) e de muitas festas juninas nos famosos “Santos Populares”, que decidi que definitivamente precisava de uma pausa, e, para essa pausa, eu tinha duas exigências: estar longe de Lisboa e estar sozinha. Planejei tudo e fiz as reservas em 24h, sem fazer muitas contas, confesso. Já conhecia Lagos, estive lá 2 vezes no ano passado, mas ainda não tinha explorado tão bem todas as praias e trilhas, porque estive sempre acompanhada, e é difícil conciliar a vontade de todo mundo quando se viaja entre amigos.
Das praias que já visitei no Algarve (que ainda não foram muitas), Lagos continua sendo a minha número 1, porque me proporciona tanto a sua versão agitada e povoada por turistas, com uma vista deslumbrante de uma costa com relevo alto e acidentado, nas famosas praias da Ponta da Piedade; quanto a calmaria de uma planície de areias finas e marzinho sem gente e sem ondas, na chamada Meia Praia. Eu estava pronta para explorar melhor tudo isso, do meu jeito, no meu tempo, sem precisar ajustar a minha vontade, expectativa e os meus horários aos de mais ninguém.
Foi assim que o meu segundo dia em Lagos amanheceu um pouco nublado, e eu tomei a minha câmera nas mãos depois do café da manhã, para sair fotografando o centro e a marina, já que o banho de mar ficaria para mais tarde. Meu objetivo era prestar mais atenção a uma construção medieval que eu havia descoberto no dia anterior: o Castelo de Lagos. Sigo em direção à Avenida dos Descobrimentos e chego a uma igreja engraçadinha, onde o diabo indubitavelmente jamais entraria; não só porque a paz dali se confunde com a forte sensação de uma presença superior e divina, mas porque a imagem das palmeiras na porção final daquela foz é um convite incontornável a permanecer ao ar livre. Não se ousa renunciar. Sigo hereticamente em direção à água, e lá eu vejo o farol verde do outro lado da foz.
Há um homem ali sozinho pescando. Ele e somente ele. A faixa de areia mais ocidental da Meia Praia, até onde vai o meu horizonte, também está esvaziada, as nuvens e o vento não são tão sedutores para mergulhos àquela hora da manhã, mas a promessa é de céu aberto à tarde: tudo é favorável para o passeio. Checo no Google, e o caminho sugerido é uma piada: teria que contar com um milagre para caminhar sobre as águas (primeira imagem do Maps). Traçando outra rota, que eu já previa como única possível, estaria pertinho do farol em uns 30 minutos (segunda imagem do Maps).
A realidade, entretanto, quando se tem uma câmera na mão e muita vontade de fotografar, é (e foi) muito mais demorada que isso, já que sou uma pessoa de deslumbre fácil; mas consigo finalmente chegar aos arredores do farol do lado leste. Estou quase lá! É aí, então, que eu percebo que o pior ainda estava por vir hahaha o caminho da faixa de areia na beira-mar até o farol era, na verdade, uma extensa linha estreita composta por enormes rochas sobrepostas, que agora tornavam a aventura um bocadinho perigosa… não era permitido escorregar ou cair dali. O estrago seria grande, sobretudo para a câmera que tinha nas mãos. Pensei em ficar por ali mesmo, a uma distância segura, mas é claro que isto não aconteceu.
Subi na primeira rocha que me parecia plana, escalei entre as outras e comecei o percurso pedregoso, avançando lentamente, uma rocha após a outra. Mantinha a câmera segura dentro da bolsa, assim como o celular, para evitar distrações e desastres que saíssem mais caros do que uns ossos quebrados, e, de tempos em tempos, parava num ponto firme e espaçoso para fotografar: céu abrindo, o dia já estava azul!
Reparei que, apesar de saber onde estava o farol onde eu queria chegar, eu precisava mesmo me concentrar em cada rocha na qual eu colocava meu pé. O deslocamento era lento, mas existia e, pouco a pouco, eu avançava na direção desejada. Em alguns momentos, escolhia um caminho de pedras que acabava me deixando ilhada, porque não havia mais rochas planas e seguras para avançar: era preciso retornar para a pedra anterior, e assim escolher uma nova rota, para conseguir ir mais longe.
Foi aí que comecei a refletir sobre como aquela caminhada e seus obstáculos reproduziam o que eu constantemente experiencio na vida: cada passinho que eu dou, por menor que seja, e por mais tempo que leve, aproxima-me do meu objetivo final, do farol no qual estou incansavelmente tentando chegar. Às vezes, não tenho tanta certeza sequer de que farol é esse e do que ele representa no fim da minha jornada, então, parece difícil escolher e me concentrar na próxima rocha em que vou descansar meu pé; mas nós todos sempre temos consciência, ainda que por instinto, da direção que nos leva até lá. E, sinceramente, mais importante do que saber onde chegar é saber em que sentido caminhar. E isso eu sempre sei.
Em todo o caso, de nada adiantaria ter os olhos sempre focados no farol, se a caminhada exige minha atenção e alerta constantes na estrada, no deslocamento a curto prazo, nos pequenos obstáculos que vão surgindo e que precisam ser contornados ou enfrentados. Eu devo, sim, ter em mente onde eu quero chegar, onde está o meu farol, isso nos serve de motivação; mas é no hoje que eu preciso me concentrar se realmente quiser avançar em algum sentido. Às vezes, vai ser preciso parar para descansar um pouquinho, vai fazer bem uma pausa para apreciar a beleza do que está em volta, ou para comemorar o avanço que já foi alcançado. Às vezes, também vai ser preciso parar para melhorar a estratégia, para perceber que cheguei a um ponto em que não é mais viável avançar sem correr um grande risco de me machucar, e ali decidir se arrisco um salto, ou se dou 1 ou 2 passos para trás, e recalculo a rota...
E, no meio desse emaranhado de pensamentos e reflexões, percebo que um senhor baixinho, de cabelos todos brancos e balde na mão se aproxima. É o senhor da primeira foto deste post. Ele vem andando em minha direção com uma agilidade que me impressiona, e, em poucos segundos, ultrapassa a minha posição e já está à minha frente, dirigindo-se, sem grande esforço aparente, à companhia do seu colega de pesca que já se encontrava lá quando as nuvens ainda cobriam o sol, na metade do caminho até o farol. Eu começo a questionar a real dificuldade e grau de esforço que aquele caminho de pedras impõe, de fato, a quem se aventura a pescar ou passear por ali... Será que estou assim em tão má forma física? Será que estou fazendo pausas demais, ao invés de avançar com maior objetividade e chegar no farol mais depressa? Calma, mas por que eu deveria ter pressa, afinal? Isso não é uma competição.
É aí que volto a refletir. Aquele senhor tem algo que eu ainda não tenho: experiência. É fácil para ele saber onde pisar e não ter medo de o fazer, porque já se sente à vontade e familiarizado com aquela estrada de pedras. E eu não posso, nem devo, diminuir ou questionar a minha jornada, tampouco querer alterá-la ou apressá-la, para acompanhá-lo ou ultrapassá-lo; porque nenhum de nós está competindo com o outro. Não há demérito em caminhar de forma lenta e prudente, e eu tenho que ser paciente, avançar no meu ritmo, manter a velocidade que melhor se adequa à minha experiência e à forma como desejo vivenciá-la. Estamos todos nesse planeta dividindo as mesmas estradas, compartilhando momentos durante as nossas caminhadas e devemos aproveitar esses encontros, por mais breves que sejam, para aprender e ensinar, trocar experiências que nos ajudem a encontrar o nosso sentido; não para cair no vórtex de um esforço comparativo inútil e despropositado que nos coloca rumo a destinos que não são verdadeiramente nossos.
Continuo a minha caminhada. Em algum momento, paro para fotografar aquele senhor, que já está pescando com seu companheiro, e me vejo cada vez mais perto do farol. Chego, finalmente, ao meu destino. E me sinto tão realizada! Tiro tantas fotos quanto eu tenho vontade; aquele ângulo torna Lagos ainda mais bonita. Sento-me com os pés já descalços, o Sol agora está alto o suficiente para fazer minhas costas arderem, mas a brisa marinha é absolutamente refrescante. Estou sozinha e tenho nos fones uma peça de Ludovico Einaudi que me faz querer dançar como se ninguém fosse capaz de me enxergar. Meus únicos espectadores, na verdade, são as pessoas que passam de barco, saindo ou chegando do Oceano Atlântico. Tudo o que eles veem é uma garota de maiô preto e chapéu, sozinha ao lado de um farol verde. Eu, entretanto, vejo uma pessoa que acaba de encontrar um novo sentido nas experiências de vida que passará a ter dali em diante. Ela comemora, porque sabe que ainda está à metade de sua viagem, em plena segunda-feira, mas já encontrou o que foi buscar no Algarve.
A história acaba aqui, ilusoriamente como se o farol fosse o meu "e viveu feliz para sempre". Mas dali, eu desci pedras abaixo de volta para a Meia Praia e aproveitei um dos mergulhos mais gelados e agradáveis que já tive em Portugal. Ainda estive em Lagos por outro dia e meio, retornei a Lisboa e, na sequência, ao trabalho.
Parece que nada mudou realmente, mas me sinto muito mais preparada para a ideia de que posso ter vários objetivos, porque eles não são fins em si mesmos; como posso também mudar de objetivo quando o dia amanhecer nublado, e receber da vida uma surpresa agradável. E não há demérito nisso. Posso começar meu texto no Presente, e decidir oscilar a minha escrita, ao longo dos parágrafos, entre aquele tempo e outros modos do Pretérito; e ninguém vai ser capaz de julgar a minha estética textual se eu não me permitir ser julgada/comparada. Posso absolutamente tudo, e eu sou a única pessoa que sabe onde eu quero chegar (ainda que esse destino seja plenamente mutável) e qual o caminho e as companhias que fazem sentido no meu trajeto até lá. Conheci um Budista nessa viagem, e toda a minha reflexão sobre focar em cada pedra, em cada "hoje", parece estar validada naquela Filosofia, mas ainda preciso ler um pouco para entender melhor.
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