Ultimamente, tenho experimentado toda a sorte de situações acadêmicas que esse mestrado na Universidade de Lisboa é capaz de me proporcionar, toda a diversidade de mentes (e também de corações) que a saída da minha zona de conforto (e da minha Zona da Mata Norte) poderia me oferecer.
Assim, por esses dias, alguns episódios me fizeram lembrar de um sermão de Luther King que inspirou o meu discurso no Juramento da Ordem dos Advogados do Brasil, há quase 1 ano atrás. Pensei em escrever a respeito aqui e suscitar, em mim, um debate interno sobre Vaidade e, para tanto, fui reler o texto que redigi naquela ocasião; mas que, à época, me recusei a publicar, porque nunca o achei bom ou bem escrito o suficiente.
Acabei decidindo abrir mão do meu perfeccionismo só para compartilhar a reflexão que tenho percebido ser ainda bastante cara a todos nós, operadores do Direito. Segue, então, o texto que li no dia 19 de junho de 2018 no auditório da OAB de Pernambuco.
Acabei decidindo abrir mão do meu perfeccionismo só para compartilhar a reflexão que tenho percebido ser ainda bastante cara a todos nós, operadores do Direito. Segue, então, o texto que li no dia 19 de junho de 2018 no auditório da OAB de Pernambuco.
“Senhoras e
senhores, muito boa tarde. Minhas saudações. Prometo que tentarei ser breve, ou tão breve quanto a difícil missão de estar aqui me permitir.
Antes de mais
nada, queria enfatizar que é um privilégio participar desta cerimônia na
condição de oradora da turma, a convite da Presidência da casa, representando
meus futuros colegas de profissão.
E é em nome
deles, dos mais novos advogados e advogadas do Estado de Pernambuco, que eu
inicio a minha fala agradecendo. Agradecendo aos nossos familiares, pais, mães,
amigos, professores, a todos aqueles que, direta ou indiretamente, nos
encorajaram e contribuíram para a conclusão dessa etapa tão exaustiva e, ao
mesmo tempo, edificante.
Cada um aqui
travou, de maneira singular, a sua batalha pessoal diária diante dos
incontáveis desafios que o curso de Direito nos impôs, mas, acredito que temos
1 certeza em comum: jamais teríamos superado esses obstáculos e chegado até
aqui sozinhos. Portanto, a todos esses nossos incentivadores e, em especial,
àqueles que estão neste auditório hoje: Gratidão.
Dito isso e voltando-me, então, aos homenageados da tarde, gostaria de parabenizá-los por
terem garantido seus assentos nesta solenidade. Incontáveis foram os degraus
acadêmicos, e até mesmo sociais, que precisamos subir (ou derrubar) para
estarmos sentados aqui. Incalculáveis as noites em que driblamos o sono e
o cansaço, desde o vestibular, até o famigerado Exame de Ordem. Inúmeros os
colegas que foram ficando pelo caminho, intermináveis as páginas de conteúdos
que fomos levados a ler. E tudo parece estar, enfim, chegando a seu final
feliz, nessa cerimônia, a partir de uma promessa que igualmente
representa um começo feliz: o compromisso legal da Ordem dos
Advogados do Brasil .
Hoje, iremos
finalmente transpor a linha tênue que ainda nos separa da Advocacia, a
profissão que escolhemos prestar à sociedade. E eu repito, prestar
à sociedade, porque, antes de mais nada, a Justiça Social será
a principal atribuição profissional que estaremos encarregados de desempenhar
agora, defendendo a Constituição pátria, a ordem jurídica do Estado Democrático
de Direito e a coerente aplicação das leis, acima de quaisquer interesses
privados.
E é diante desse
pensamento que eu gostaria de levá-los a apreciar e refletir um pouco sobre uma
caracterização trazida por Martin Luther King, um incontornável
nome da luta pelos Direitos Humanos.
Em 1968, ano de
seu assassinato, King realizou o sermão 'The Drum Major Instinct', traduzido para
o português como 'O Instinto Maior do Rufar dos Tambores', segundo o qual, todos
os seres humanos teriam um instinto de alcançar distinção diante da
coletividade, um desejo de chamar atenção para si, de obter reconhecimento.
Todos nós teríamos esse impulso dominante de querer se sentir notado, de querer
ser o primeiro, superar os outros e liderar a multidão. É aquela coisa: não
basta ser importante, a gente quer se destacar, a gente quer ser elogiado!
Para King, até o
nosso primeiro choro como bebê já era um apelo por atenção, um impulso de
rufar o tambor mais alto que os demais, assim como quando compramos um
carro acima de nossa zona de conforto financeira na tentativa de obter não
apenas qualidade no deslocamento, mas destaque nas ruas. Ou quando aceitamos,
com bastante vaidade, um convite para discursar para uma turma de advogados
recém-formados, igualmente capacitados para estarem aqui no meu lugar.
Brincadeiras à
parte, esse parece um instinto humano um tanto perigoso, uma 'faca de
dois gumes'. Ao mesmo tempo que esse impulso dominante e competitivo nos
coloca em constante evolução pessoal, social e sobretudo profissional,
levando-nos a perseguir sempre nosso aperfeiçoamento; ele pode se tornar
pernicioso, destrutivo, à medida que nos levaria a subverter ou rechaçar o
escopo maior da nossa profissão: a Justiça.
Certa vez, na
minha graduação, durante uma aula de Direito Civil, a professora da Casa
questionou à minha turma o motivo de estarmos estudando no curso de
Direito. A resposta veio rápida de um dos meus colegas: 'estabilidade
financeira', sem hipocrisia.
Ela continuou: - Vocês sabem que, no Brasil, temos quase 1 milhão de estudantes de Direito?
Vocês acham que isso é muito ou pouco?
- Muito, bastante, né?! meu
colega respondeu, recebendo como resposta um novo questionamento:
- E você
considera o Brasil um país justo?
E eu pergunto a
vocês também: vocês consideram o Brasil um país justo? Acho que a resposta
aqui também seria uníssona e unânime. Não.
E a professora concluiu: - Então, meu filho, enquanto o Brasil não
for um país justo, nós teremos que continuar formando juristas.
Quando nosso país for justo, talvez, aí sim, nós possamos formar Poetas.
Portanto, a Justiça,
e não o Reconhecimento Social, deve ser o nosso propósito como
causídicos. A Ética, e não o Enriquecimento Financeiro,
deve estar no topo das nossas prioridades. A Consciência Coletiva,
e não a Vaidade, deve nos levar a advogar em nome de uma causa.
Os elogios, a
construção patrimonial, a admiração, serão consequências inafastáveis e
inexoráveis da nossa retidão e do nosso empenho, mas que nunca devem ser a mola
propulsora da nossa profissão. Caso contrário, se não conseguirmos domar
esse instinto vaidoso, pode acabar sendo inevitável deturpar o Juramento solene
que estamos prestes a realizar hoje.
Assim, eu
gostaria de encerrar a minha fala, trazendo um trecho do sermão de Luther King
que mencionei, a respeito do Instinto Maior do Rufar dos Tambores: 'É
um bom instinto, se você não distorcê-lo e pervertê-lo. Não desista. Continue
sentindo a necessidade de ser importante. Continue sentindo a necessidade de
ser o primeiro. Mas eu quero que você seja o primeiro no amor. Quero que você
seja o primeiro em Excelência Moral. Quero que você seja o primeiro em
generosidade.'
Obrigada a todos
e muito boa sorte em nossa caminhada. ”
Analu Peixoto Barbosa, junho de 2018.
Analu Peixoto Barbosa, junho de 2018.
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