Desde 1943, no dia 19 de abril, comemora-se o Dia do Índio no Brasil, em razão do decreto-lei nº 5.540 assinado pelo então presidente Getúlio Vargas. Tenho muitas lembranças de vários 19 de abril na minha infância, e parece-me que essa data nunca passou por despercebida na minha escola. Tínhamos algumas festividades, os adultos nos pintavam, confeccionávamos cocás de papel, colares, ou simplesmente coloríamos figuras representativas.
Lembro, já um pouco mais crescida, com meus 10 ou 12 anos talvez, no auditório do Colégio Damas Santa Cristina, de um colar com uma grande semente preta que comprei (e que, se calhar, ainda o tenho guardado em Nazaré) das mãos de uma índia na visita de uma tribo em ocasião da Campanha da Fraternidade daquele ano. Eu queria uma lembrança do evento e queria ajudar as tribos de alguma forma. Posso estar confundindo as datas das recordações também, mas tenho a impressão de que, nesse mesmo dia, fiz a leitura de algum texto no palco, porque guardo uma sensação de estar ansiosa naqueles momentos.
Hoje, mais um 19 de abril, dessa vez passado no país dos colonizadores e sentindo-me crescida demais para as pinturas e cocás, vejo-me coincidentemente estudando para um seminário do mestrado que apresentarei na próxima quarta-feira, debruçada sobre livros e artigos acerca do sistema sancionatório aborígene, jurisdição étnica, violência contra mulheres indígenas, Multiculturalismo, Pluralismo Jurídico, infanticídio indígena, gênero e colonialidade; e percebo, numa reflexão quase automática e obrigatória, que, da minha infância pra cá, pouca coisa mudou em termos de consciência de pluralidade étnica e cultural no meu país.
Os ameríndios, de modo geral, ainda povoam o imaginário do "homem branco" como um retrato de barbárie, pouca (ou nenhuma) roupa, tintas, contas, ausência de civilidade, e inaptidão para autocomposição de conflitos. E essa é uma visão jurássica e perversamente limitada a respeito de uma cultura coletivista na verdade bastante complexa e desenvolvida; o que prejudica a proteção dos reais interesses e da autonomia desses povos, colocando-os numa equivocada posição de constante necessidade da intervenção do Estado nacional ou das ações missionárias (e suas intenções secundárias).
Em meio ao já consagrado reconhecimento constitucional e internacional dos direitos desses povos, ouvir um "mas pra que esses índios querem tanta terra?", assistir à transferência da responsabilidade de demarcação das terras indígenas da FUNAI para o Ministério da Agricultura pelo atual governo, ou ver a imensa dificuldade de se adaptar uma lei como a 11.340/06 (Lei Maria da Penha) às peculiaridades do contexto aborígene, denuncia a permanência de um centrismo cultural na figura do homem médio Ocidental e de suas políticas e interesses que parece muito distante de acabar. Sem querer generalizar, mas já o fazendo, parece-me que, ainda hoje, nada é pensado para o pleno gozo e aproveitamento de todos os brasileiros, nem mesmo as nossas leis.
Tenho ainda muito o que estudar e pesquisar sobre o tema antes de formar as minhas opiniões definitivas (as quais evito escrever aqui porque tenho medo de configurar auto-plágio quando for depositar os meus relatórios com essas opiniões repetidas hahaha), mas hoje foi inevitável pensar em como, para muito além de tintas e colares, devemos educar as futuras gerações no sentido de desenvolver, desde o princípio, uma consciência étnica permanente que evite adultos tendenciosos à repetição de certos padrões de comportamento que rechaçam a importância histórico-cultural dessas populações e a imprescindibilidade de respeitá-las.
Feliz Dia do Índio e boa Páscoa!